Data:
30 de
junho de 2004 (dia aproximado em que a vítima foi presa)
Local:
carceragem "sob responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública”
Vítima:
Maria
Aparecida de Matos, 24 anos
Agentes do Estado:
(Responsável pela tortura) Secretaria de Segurança Pública
Relato do caso:
A notícia
desta clamorosa e brutal injustiça só veio a público a partir do empenho
das advogadas
Heide
Cerneka, da coordenação feminina da Pastoral Carcerária, e Sônia Regina
Arrojo e Drigo, em reparar o paradoxo judiciário da não-aplicação da
jurisprudência sobre o “princípio da insignificância”, estabelecido pelo
Supremo Tribunal Federal. E também pela divulgação da Folha de S. Paulo,
a partir de 12 de abril de 2005. Conforme esse "princípio", em 2004 o
Supremo Tribunal Federal suspendeu o processo contra dois jovens: um de
São Paulo, que havia sido condenado a dois anos pelo furto de um boné de
R$ 10,00; outro de Mato Grosso do Sul, condenado a oito meses pelo furto
de uma fita de videogame de R$ 25,00.
Maria Aparecida de Matos teria sido presa em uma data que remonta
aproximadamente ao dia 30 de junho de 2004, pela tentativa de furto de um
frasco de xampu e outro de condicionador no valor total de R$ 24,00, de
uma farmácia de São Paulo. Empregada doméstica, mãe de dois filhos
pequenos, sua prisão se deu, conforme suas advogadas, em “circunstâncias
duvidosas”, já que não há testemunhas da tentativa de furto.
Antes de relatar as idas e vindas jurídicas da aplicação do “princípio da
insignificância”, o que interessa aqui é destacar que, ao ser presa, Maria
Aparecida de Matos foi vítima de tortura “em uma cadeia sob
responsabilidade da Secretaria de Segurança Pública” (Folha de S. Paulo,
12/04/2005). Conforme a vítima,
ela foi agredida, por vários dias seguidos, por outras presas incentivadas
por funcionários ou com a participação deles. Um líquido, água fervendo ou
uma substância química, foi jogado em seu rosto, o que provocou
queimaduras de segundo grau e levou à perda de visão de seu
olho direito. Depois ela foi transferida para o Hospital de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico de Franco da Rocha (Grande São Paulo). Foi aí que
seu caso chamou a atenção das advogadas acima referidas.
Situação da investigação:
A
investigação principal que deveria ser feita é a determinação das
responsabilidades do Estado, do Governo do Estado de São Paulo, da
Secretaria de Segurança Pública e dos agentes do Estado funcionários da
carceragem onde Maria Aparecida foi torturada, pelo crime de tortura, que
deixou seqüelas físicas irremediáveis, além das psicológicas.
Mas as advogadas dedicaram-se a uma causa mais urgente que era o livrar
uma mãe de dois filhos pequenos de uma prisão absurda, por um furto no
valor de R$24,00 que não aconteceu e sem
testemunhas. Através da Procuradoria de Assistência Judiciária elas
colocaram um pedido de que a vítima pudesse aguardar o julgamento em
liberdade, o que foi negado pela juíza Patrícia Álvares Cruz, da 2ª Vara
Criminal, sob o argumento de que, como a presa não era capaz de entender
que cometeu um crime, deveria ser sentenciada a uma “medida de segurança” e
ir para o manicômio penitenciário. Em seguida, um pedido de liminar em um
habeas corpus impetrado pelas advogadas foi também rejeitado pelos
desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo.
As advogadas então recorreram ao Superior Tribunal de Justiça que, em 23 de
maio de 2005, com relatoria do ministro Paulo Gallotti, concedeu a liminar
do habeas corpus para que Maria Aparecida de Matos pudesse ser libertada,
seguindo o “princípio da insignificância”, o que aconteceu no dia
seguinte. O pedido incluía a "extinção da
ação" em virtude do mesmo princípio, o que será julgado pelo STJ
posteriormente.
Veja o
que declararam sobre o assunto:
Nagashi Furukawa, Secretário da Administração Penitenciária, Gov. do
Estado de São Paulo: "Esse
caso é um absurdo. Que risco ela representa para a sociedade? (...) O
insignificante é sempre insignificante. Se furtou uma caixa de fósforo 50
vezes, continua sendo um fato insignificante" (FSP, 12/04/2005)
Fábio Konder Comparato, professor titular da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo:
Receio que o Tribunal de Justiça de São Paulo discorde dessa opinião. Uma
pobre mulher, que perdeu um olho por efeito de sevícias sofridas quando
estava em poder de agentes policiais, encontra-se presa há 11 meses pelo
furto de um cosmético posto à venda por R$ 24 ("Acusada de furtar xampu
completa 11 meses na prisão", Cotidiano, 12/4). Já o promotor de Justiça
que matou a tiros o rapaz que dirigiu gracejos à sua namorada teve sua
prisão relaxada ao cabo de alguns dias. E os juízes e o secretário da
Segurança Pública do Estado, implicados em inquérito sobre o morticínio no
caso "Castelinho", nem chegaram a ser processados. A verdade é que vai
ficando sempre mais difícil explicar às novas gerações por que razão a
nobre palavra justiça é reservada com exclusividade a um dos ramos do
Estado brasileiro." (FSP, 14/04/2005)
Fontes: Folha de S. Paulo, 12/04/05, 14/04/2005,
29/04/2005 e 24/05/2001
Veja também:
http://www.ovp-sp.org/artg_ines_correio_cidadania.htm